
Publicado por Victor Oliveira em Qua, 23/10/2024 - 10:03
Você já ouviu falar no projeto HGTD? Ele é um novo detetor do experimento ATLAS que será capaz de medir um instante de tempo com uma precisão um bilhão de vezes mais rápida do que o piscar dos olhos. A adição do detector de temporização de alta granularidade - High Granularity Timing Detector do ATLAS é a etapa final de um longo processo que iniciou com a discussão da preparação do experimento para a fase de alta luminosidade do LHC. De acordo com artigo publicado pelo CERN, a adição do detector se oferece para resolver muitos desafios que são enfrentados nas condições de alta luminosidade do novo upgrade do LHC (High Luminosity LHC ou HL-LHC).
Em entrevista com o pesquisador do HEPIC@IFUSP, Marco Leite, ele comenta que os pesquisadores envolvidos precisavam encontrar uma solução para medir com uma ampla cobertura um número de colisões maiores por cruzamento de feixes durante o HL-LHC.
Para Marco, o desejo dos pesquisadores é explorar a física com energias maiores. "Por questões técnicas a gente tem um limite de 14 TeV do LHC. Se você quer explorar fenômenos mais raros, precisa aumentar a quantidade de colisões por segundo e de dados que você produz. Você aumentando o número de colisões, a probabilidade de você identificar algum evento raro é maior, portanto é preciso atualizar o nosso instrumento de forma que se possa ter uma cobertura dos eventos ainda maior", comenta.
Física em ganhos e perdas, qual o limite da precisão
A Física de Partículas é uma área com processos detalhados e minuciosos. É possível pensar nesses experimentos como se fosse um satélite. Uma vez que você monta ele, consertar, desmontar, fazer uma manutenção é muito difícil. Dependendo do período corre-se o risco de realmente ficar sem tomar dados porque se trata de uma estrutura de pesquisa que se tem outros experimentos.
Diante disso, em conversa com Marco Leite, ele cita algo intrigante: "Não se pode pedir para o LHC parar porque precisa consertar o detector. Se a perda da física por esse problema for muito grande, você está enrascado. Então você precisa realmente tomar muito cuidado e ter certeza que aquilo que você está colocando lá vai realmente funcionar".
A partir deste ponto, o projeto começou a ser consolidado, primeiro dentro de um dos subsistemas do ATLAS . Todo o processo passa por simulações, e tem modelos que são razoáveis na maioria dos casos do que acontece quando um próton colide com outro. E usa-se isso para tentar entender o que a natureza está dizendo ali.
Para Marco, essa é a forma em que os pesquisadores interpretam aquilo. Com base nisso, vêm sendo testados continuamente e com isso é possível ter um grau de confiança de que aquilo funciona. Com isso, passa-se para a próxima etapa que é tentar entender qual é o tipo de instrumento que será utilizado para extrair a informação que você precisa.
Por fim, é possível definir os critérios para esse dispositivo procurar na tecnologia o que serve, e se não tiver, terá que desenvolver. Marco comenta que esse foi o caso: A gente não tinha um dispositivo que fosse capaz de preencher todas as necessidades que a gente tinha para isso. Começou um processo longo de desenvolvimento de sensores.
Processo do Brasil para entrada e resultados a longo prazo
Apesar de não ter entrado no início, o Brasil entrou antes da produção do documento oficial de aprovação do projeto, já trabalhando com os primeiros protótipos dos sensores que estavam sendo desenvolvidos. Depois desse período, foi possível articular um projeto com a FAPESP para suportar essas atividades de altas energias, tanto no ATLAS como na ALICE.
De acordo com o Marco, com o projeto aprovado, o HEPIC se coloca em uma posição mais adequada do ponto de vista de colaborar com o experimento. "Agora a gente tem recursos, capacidade de contratar pessoas e infraestrutura. Como qualquer área da ciência, você tem que investir, você tem que ter dinheiro para fazer. Não dá para a gente pensar nisso sem investimento", reforça o pesquisador .
Dados apresentados pela reitora Sandra Regina Goulart Almeida em audiência pública realizada no Senado Federal, no dia 23, traz que o incremento de 1% nos gastos em pesquisa e desenvolvimento gera crescimento de 9,92% no Produto Interno Bruto (PIB) de um país, e o valor total gerado pela pesquisa pública costuma ser de três a oito vezes superior ao investido. “O financiamento público é positivo para o país, em termos de soberania, e muito importante também porque retorna para o PIB”, disse Sandra Goulart.
Esse exemplo é um retrato da importância do investimento da ciência no Brasil e a ciência como algo fundamental para o desenvolvimento de um país. Com isso, Marco destaca que essa é uma área que exige um financiamento grande. "Quando a gente teve um aporte importante da FAPESP para esse projeto, permitiu a gente colaborar no custo desse experimento.
Cada sensor é uma pastilha de silício de aproximadamente 1,3 milímetros quadrados. E o projeto prevê mais de 3 milhões dessas pastilhas montadas em camadas para que quando tem-se uma partícula da colisão sendo produzida, ela atravesse essas camadas, sendo possível identificar onde ela passou e quando ela passou.
Próximos desafios da pesquisa
Perguntado sobre os próximos desafios, Marco explica que o detector ainda não está construído. "O que a gente chama de um processo de revisão da capacidade de produção desses sensores. Então, nesses últimos meses, estávamos envolvidos em uma campanha de teste desses dispositivos que estavam sendo produzidos para ter certeza que estava pronto para iniciar a produção".
Esse processo é um outro marco do projeto, pois teve uma participação importante da USP na parte de estudar a resposta desses dispositivos e ver o quanto isso estava adequado para a proposta. De acordo com Marco, "o próximo desafio agora é construir esse equipamento. Integrar isso é um desafio enorme. Toda a parte de leitura de sinais, de processamento, de integrar isso com o resto do detector, é uma das partes mais difíceis do projeto. Eu diria que, até agora, a gente não viu ainda os grandes problemas que podem aparecer e que vão exigir realmente a nossa criatividade para serem resolvidos."
Brasil se torna Estado membro do CERN e fortalece o da Física no país
Uma das principais novidades para o Brasil no campo da Física é a nomeação do País como Estado membro associado do CERN. A conquista foi celebrada entre os/as pesquisadores/as, pois há 12 anos o país vinha desdobrando a formalização e amplia a responsabilidade dos agentes diante do compromisso com os avanços no campo da Física de Partículas.
Em conversa com o pesquisador Marco Leite, ele ressalta que o processo transforma o Brasil, antes como convidado, agora como participante que faz parte de uma comunidade com metas e objetivos. "Por mais que a gente enfrentasse esses desafios, o comprometimento com um laboratório como o CERN faz tudo ficar mais firme", completa o pesquisador .
Além disso, Marco ressalta que a nomeação trouxe visibilidade, principalmente do ponto de vista do governo e das agências de financiamento. "Criou uma movimentação positiva e agora a bola está do nosso lado. Eu acho que compete a nós realmente usar os mecanismos e as oportunidades que a gente tem nesse acordo para fazer mais do que a gente vinha fazendo.
O recurso a longo prazo é uma das questões que o pesquisador julga fundamental para a Física. De acordo com ele, a nomeação pode abrir possibilidades para essa modalidade de financiamento e que poderia ajudar em planejamentos de execução maiores, como por exemplo no caso do LHC, que existe há 62 anos.